Na fração portuguesa da bacia hidrográfica do rio Guadiana estão referenciadas três dezenas de espécies piscícolas dulçaquícolas, correspondendo treze delas (cerca de 43%) a taxa não nativos.
A percentagem maioritária destas introduções decorreu durante o século XX, sendo que alguns destes taxa evidenciam uma notável aclimatação aos cursos de água, representando uma séria ameaça para diversos endemismos ibéricos, como o saramugo (Anaecypris hispanica). As espécies de origem exótica têm sofrido um incremento acentuado ao longo das últimas décadas, sendo também de assinalar que as respetivas áreas de distribuição têm vindo a ser significativamente ampliadas.
A expansão de muitas das espécies exóticas tem sido favorecida pelas transformações induzidas nos sistemas fluviais, nomeadamente a construção nas últimas décadas de barragens de média/grande dimensão, facto particularmente relevante no Alentejo. A edificação destas infraestruturas hidráulicas, para além da quebra do contínuo lótico e do incremento da profundidade, oferecem quase sempre flutuações expressivas no nível da água, com a consequente presença de margens desguarnecidas de vegetação. Esta alteração de condições ecológicas raramente beneficia as espécies nativas, que não estão ecologicamente preparadas para se adaptar a esses meios, o que faz com que os sistemas lênticos artificiais estejam dominados, quer em número de espécies quer em biomassa, por taxa não nativos.
Especificamente sobre a bacia hidrográfica do rio Guadiana, a introdução de espécies piscícolas não nativas apresenta várias origens:
i.) existência de diversos cursos de águas comuns com Espanha, induzindo a que algumas das introduções nesse país se tenham expandido, através de dispersão natural ou por intervenção antrópica, a território nacional – e.g., peixe-gato-dos-canais (Ictalurus puntactus);
ii.) introdução de taxa consumidores de mosquitos vetores da malária – gambúsia (Gambusia holbrooki) –, que em períodos do século XX era uma doença bastante disseminada em Portugal;
iii.) Proporcionar maior rendimento das águas interiores, aproveitando primordialmente o valor de algumas espécies para a pesca desportiva – e.g., achigã (Micropterus salmoides) e lucioperca (Sander lucioperca) –, extensível a espécies forrageiras (e.g., ablete em relação ao achigã); neste item pode ser também considerada a disponibilização de proteínas para a alimentação humana – e.g., carpa (Cyprinus carpio); e
iv.) libertação de espécimes utilizadas em aquariofilia – e.g., chanchito (Australoheros facetus).
Em seguida são listadas as espécies piscícolas dulçaquícolas exóticas referenciadas para a fração portuguesa da bacia do Guadiana, indicando o provável motivo da sua introdução bem como um resumo sintético da sua ecologia.
Da referida listagem foram excluídas:
i.) a tenca (Tinca tinca): apesar de ser classificada por alguns autores como exótica, subsistem dúvidas quanto à natureza, nativa ao alóctone, do taxon, face ao seu padrão de distribuição disperso e muito localizado;
ii.) o fundulo (Fundulus heteroclitus): por ser uma espécie que ocorre maioritariamente em águas salobras, mais especificamente na zona estuarina do rio Guadiana;
iii.) o góbio (Gobio lozanoi): na década de noventa foram capturados alguns exemplares no rio Xévora mas não voltou a ser identificado; e
iv.) o barbo tinfoil (Barbonymus schwanenfeldii): que é uma espécie com ampla utilização na aquariofilia, tendo sido capturados unicamente dois exemplares em 2005 na barragem de Lucefécit.
Carpa (Cyprinus carpio, Linnaeus 1758)
A carpa é originária da Europa Oriental e Ásia Ocidental, tendo sido introduzida pelos romanos em Itália e a partir daí difundida para outros países europeus. É uma das espécies de maior disseminação pelo globo e a de introdução mais antiga na Península Ibérica, provavelmente desde os séculos XVI-XVII. É uma espécie bastante resistente que ocupa maioritariamente albufeiras, subsistindo também em zonas lóticas com corrente fraca, fundos com vasa e que preferencialmente ofereçam alguma profundidade. Apresenta um comportamento alimentar bentónico e regime omnívoro, consumindo larvas de insetos, algas, macrófitos, pequenos moluscos e alevins de peixes.
Pimpão (Carassius auratus, Linnaeus 1758)
O pimpão é um taxon que terá sido presumivelmente importado da China em princípios do século XVII, por motivos ornamentais. É uma espécie que está sobretudo associada a sistemas lênticos, podendo utilizar também alguns de carácter lótico – na bacia do Guadiana nomeadamente os setores fluviais de maior número de ordem imediatamente a montante das albufeiras – particularmente os troços com corrente fraca, vegetação abundante e leitos de textura fina. Apresenta uma elevada resistência, suportando com relativa facilidade condições desfavoráveis do ponto de vista ambiental. Exibe um comportamento alimentar bentónico e regime omnívoro, consumindo essencialmente macroinvertebrados aquáticos, detritos e material de origem vegetal – e.g., algas, macrófitos.
Carpa-prussiana (Carassius gibelio, Bloch 1782)
A carpa-prussiana está referenciada para Portugal desde 2012, sendo originária do continente asiático. É uma espécie com uma ampla distribuição a nível mundial, sendo que o principal motivo de introdução corresponde ao seu uso como ornamental. Na bacia do Guadiana apresenta populações não muito expressivas, ocorrendo em albufeiras e no troço final dos seus tributários de maior dimensão. As caraterísticas ecológicas são idênticas às do pimpão.
Ablete (Alburnus alburnus, Linnaeus 1758)
O ablete é uma espécie originária da Europa que foi introduzida em Espanha na década de noventa do século XX, como espécie forrageira para os ictiófagos. Tem patenteado uma considerável expansão nos últimos anos, tendo alcançado Portugal através dos cursos de água internacionais, associado a translocações por pescadores desportivos, visto ser uma espécie bastante apreciada pelo achigã como alimento. Os primeiros registos para a bacia do Guadiana remontam às albufeiras do Caia e Odeleite no início do século XXI, tendo posteriormente colonizado a generalidade dos sistemas fluviais, particularmente no setor superior e intermédio desta bacia hidrográfica. Este ciprinídeo possui hábitos gregários e exibe grande plasticidade, ocorrendo em sistemas lóticos e lênticos, apesar de selecionar preferencialmente as zonas de menor profundidade. Apresenta um regime alimentar carnívoro, consumindo sobretudo insetos aquáticos, crustáceos e zooplâncton.
Truta arco-íris (Oncorhynchus mykiss, Walbaum 1792)
A truta-arco-íris é nativa da América do Norte e terá sido introduzida na Península Ibérica nos finais do século XIX, sendo um dos salmonídeos mais produzidos em aquacultura. A ocorrência deste taxon nos cursos de águas nacionais terá resultado de fugas de pisciculturas, em conjunto com repovoamentos efetuados por organismos oficiais, por ser muito interessante do ponto de vista piscatório e alimentar. Até à data não foi comprovada a reprodução em Portugal em condições naturais, o que leva a crer que a sua preservação derive de repovoamentos sucessivos. No decurso da ações A3 do projeto LIFE Saramugo foi capturado um exemplar no Rio Xévora, que muito provavelmente resultou das ações de repovoamento regulares que são efetuadas em coutos de pesca no trecho espanhol deste rio. O seu habitat preferencial corresponde aos sistemas lênticos, podendo ocorrer também em rios de águas limpas e com correntes fortes ou moderadas. É um carnívoro que se alimenta principalmente de macroinvertebrados aquáticos e pequenos peixes.
Gambúsia (Gambusia holbrooki, Girard 1859)
A gambúsia é uma espécie de pequenas dimensões originária da América do Norte, que se encontra disseminada por várias dezenas de países dos cinco continentes. A sua introdução em Espanha remonta à segunda década do século XX, onde teve como intuito controlar os vetores de propagação da malária; posteriormente, e com o mesmo objetivo, também terá sido libertada em Portugal, onde rapidamente se expandiu. Atualmente será provavelmente a espécie exótica com distribuição mais ampla ao nível da bacia hidrográfica do rio Guadiana, exibindo por vezes densidades muito expressivas. Seleciona preferencialmente zonas de corrente fraca ou mesmo nula, com grande densidade de macrófitos aquáticos, sendo uma espécie extraordinariamente resistente, que pode suportar elevadas temperaturas e níveis consideráveis de poluição. É carnívora, alimentando-se maioritariamente de larvas de mosquito, mas também de outros invertebrados aquáticos e mesmo de alguns terrestres que surjam na superfície aquática.
Lúcio (Esox lucius, Linnaeus 1758)
O lúcio foi um taxon introduzido em Espanha no início da segunda metade do século XX, para fomento da pesca desportiva, e que posteriormente terá alcançado Portugal por via dos rios internacionais (Tejo e Guadiana). Atualmente está referenciado para o troço principal do Guadiana correspondente à albufeira de Alqueva, bem como na parte terminal de alguns dos seus tributários de maior dimensão, nomeadamente o rio Xévora. Seleciona preferencialmente troços lóticos de corrente fraca e vasta vegetação, onde se dissimula para atacar as presas. É um carnívoro territorial e muito voraz, que em adulto é piscívoro, alimentando-se pontualmente de invertebrados com grandes dimensões – e.g., lagostins – e mesmo de anfíbios ou aves aquáticas.
Achigã (Micropterus salmoides, Lacépède 1802)
O achigã é uma espécie originária dos EUA e México, que foi introduzido no nosso país no início da segunda metade do século passado, constituindo atualmente uma espécie muito importante do ponto de vista desportivo e também gastronómico. Em Portugal teve uma excelente aclimatação, ocupando presentemente a quase totalidade das bacias hidrográficas. O presente taxon cinge-se maioritariamente a zonas lênticas – albufeiras e charcas, que são muito abundantes na bacia hidrográfica do Guadiana – e a setores lóticos de vegetação abundante e com corrente não muito forte; correspondendo maioritariamente aos troços médios e inferiores dos cursos de água. É uma espécie carnívora que se alimenta maioritariamente de peixes, podendo ingerir também crustáceos, anfíbios, répteis, aves e micromamíferos.
Perca sol (Lepomis gibbosus, Linnaeus 1758)
Proveniente da Nordeste dos EUA e Sul do Canadá, foi importada pela primeira vez para Europa nos finais do século XIX, muito provavelmente para utilização como peixe ornamental. A perca-sol está referenciada para Espanha desde a primeira década do século XX, tendo sido introduzida em Portugal no final dos anos setenta. A perca-sol é abundante nas zonas lênticas e em algumas secções fluviais com baixa velocidade de corrente e elevada densidade de macrófitos, sendo uma das espécies com maior disseminação na bacia hidrográfica do Guadiana. Tolera condições ambientais adversas, como baixos níveis de oxigénio, elevadas temperaturas e má qualidade da água. Apresenta um regime alimentar carnívoro, consumindo principalmente insetos, mas também crustáceos, ovos e pequenos peixes.
Chanchito (Australoheros facetus, Jenyns 1842)
O chanchito é originário da América do Sul, tendo sido pela primeira vez referenciado em Portugal no final da primeira metade do século XX, muito provavelmente resultado da libertação de exemplares utilizados em aquariofilia, visto a família Cichlidae ser uma das que é mais utilizada no referido hobby. Nas condições mediterrânicas, a principal razão da sobrevivência deste taxon face a outros ciclídeos derivou da sua maior tolerância face a temperaturas mais reduzidas. Revelou uma boa aclimatação às águas nacionais – particularmente ao nível das bacias hidrográficas do Guadiana e do Sado –, em rios e albufeiras, onde geralmente é pouco abundante, apesar de pontualmente poder apresentar densidades populacionais elevadas . Na sua região de origem está referenciado como predador de larvas e de pequenos crustáceos, enquanto que os dados de alimentação existentes para Portugal apontam o consumo primordial de material de origem vegetal.
Peixe-gato-negro (Amieurus melas, Rafinesque 1820)
O peixe-gato-negro é uma espécie originária da América do Norte, que foi introduzida em Espanha no início do século XX, de onde provavelmente se expandiu até à fração portuguesa da bacia do Tejo; terá também sido transferida por pescadores, o que explica a sua ocorrência em massas de água lênticas e lóticas das bacias hidrográficas do Guadiana e Sado. Atualmente esta espécie predomina em albufeiras bem como em alguns setores lóticos adjacentes. O peixe-gato-negro ocupa secções fluviais de corrente fraca a nula, com vegetação abundante e leitos arenosos ou de vasa. É extremamente tolerante relativamente à poluição, subsistindo em águas com baixos níveis de oxigénio dissolvido e elevadas temperaturas. É um taxon omnívoro que apresenta um comportamento alimentar bentónico, englobando na sua dieta material vegetal, macroinvertebrados e pequenos peixes.
Peixe-gato dos canais (Ictalurus punctatus, Rafinesque, 1818)
Espécie originária do Leste dos EUA e nordeste do México, tendo sido amplamente disseminada a nível mundial pelo seu interesse para a aquacultura, sendo também de destacar o seu interesse desportivo. Os primeiros registos em Espanha correspondem à década de oitenta do século XX tendo na fração portuguesa da bacia do Guadiana sido inicialmente detetado em 2011, na albufeira de Alqueva, no seu setor de montante (Ponte da Nossa Senhora da Ajuda). Atualmente está referenciado para as albufeiras de Alqueva e Pedrógão, para além do troço do rio Guadiana compreendido entre esta última barragem e a zona de Mértola. Ocorre preferencialmente em albufeiras e cursos de água profundos, tolerando uma ampla gama de condições habitacionais. Do ponto de vista trófico é omnívoro, sendo que os exemplares de maiores dimensões se alimentam quase exclusivamente de outros peixes. Importa destacar ainda algumas características reprodutivas, nomeadamente a elevada fecundidade e os cuidados parentais já que os machos protegem os alevins durante as primeiras semanas.
Lucioperca (Sander luciperca, Linnaeus 1758)
A lucioperca é uma espécie de origem europeia que foi introduzida em Espanha – no decurso da década de setenta do século XX – para fomento da pesca desportiva. Presentemente encontra-se em franca expansão no nosso país, ocupando muitas das albufeiras de média a grande dimensão existentes na bacia hidrográfica do rio Guadiana; ocorre igualmente nas secções terminais de alguns afluentes com maior dimensão (e.g., rio Xévora e ribeira do Vascão), bem como no troço do rio Guadiana entre a barragem de Pedrógão e Mértola. A lucioperca surge maioritariamente associada a troços lóticos com corrente fraca e alguma profundidade, podendo também ocorrer em sistemas lênticos. A nível trófico refere-se que os alevins se alimentam de zooplâncton, os juvenis de invertebrados enquanto os adultos apresentam regime alimentar maioritariamente piscívoro, podendo quando abundante o lagostim vermelho da Louisiana (Procambarus clarkii) tornar-se predominante.
Artigo redigido por: Paulo Pinheiro